Em 5 de maio deste ano, mais um fuzil foi apreendido por policiais militares na localidade conhecida como Vila Verde, no bairro de São Cristóvão, em Salvador. A região é palco de uma disputa entre facções rivais, e tiroteios constantes costumam interromper a circulação de ônibus e suspender as atividades escolares. No dia 14 de abril, também na capital, outro fuzil foi apreendido por PMs em Mirantes de Periperi, no Subúrbio Ferroviário.
Não são casos isolados: nos cinco primeiros meses deste ano, 33 armas desse tipo foram localizadas na Bahia. Os dados são do Mapa da Segurança, levantamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O número de fuzis apreendidos no estado vem apresentando aumentos exponenciais. De 2020 a 2024, considerando os meses de janeiro a maio, a quantidade confiscada desse tipo de armamento saltou 1000%: de três armas em 2020 para as 33 deste ano.
O armamento de grosso calibre, de uso restrito das Forças Armadas, tem se tornado item comum nas ruas e vielas baianas, graças ao avanço do crime organizado no estado. Tanto que todo o número apreendido nos cinco primeiros meses de 2020 (três) foi ultrapassado ainda em janeiro deste ano, que terminou com 11 apreensões.
Antônio Jorge Melo, especialista em segurança pública, coordenador do curso de Direito da Estácio e coronel reformado da Polícia Militar da Bahia, explica que esse aumento está relacionado ao redesenho organizacional e geopolítico das organizações criminosas ligadas ao narcotráfico no estado.
“As organizações de cunho nacional, como o Comando Vermelho, o PCC [Primeiro Comando da Capital] e, agora, o Terceiro Comando Puro, que é rival do Comando Vermelho no Rio de Janeiro, estão fazendo alianças com as facções locais para ampliação do seu domínio territorial e do campo de negócios do narcotráfico. Nesse processo de expansão, está ocorrendo uma disputa territorial, em que essas organizações criminosas precisam conquistar novos territórios e manter os que já conquistaram. E eles fazem isso através do tráfico de armas. Fornecem um armamento para essas facções locais, para que elas possam conquistar e manter os territórios do tráfico de drogas ligados a cada organização”, explica ele.
Segundo o especialista, a maior parte dessas armas vem de fora do país, importadas da Europa até o Paraguai, e entram no Brasil por via marítima ou terrestre. No caso específico da Bahia, ele cita a divisa com oito estados e a extensão do litoral como outros fatores favoráveis para o tráfico de armas.
“Como o Brasil é um país com extensão de fronteira seca muito grande, ou seja, nós temos divisas com vários países aqui da América do Sul, é muito difícil manter o controle total dessas fronteiras. Isso, de certa forma, facilita o ingresso de drogas em geral e desse armamento, que não é fabricado aqui”, diz Melo.
No fim de 2023, uma apuração do Grupo de Investigações Sensíveis da Polícia Federal na Bahia desvendou um esquema multimilionário do tráfico ilícito de armas de fogo da Europa para a América do Sul. Segundo a Polícia Federal, uma empresa sediada em Assunção, no Paraguai, foi responsável pela importação de milhares de pistolas, fuzis e munições de vários fabricantes europeus na Croácia, Turquia, República Tcheca e Eslovênia.
As armas eram importadas da Europa para o país sul-americano, onde eram raspadas e vendidas ilegalmente a grupos de intermediários que atuavam na fronteira do Brasil com o Paraguai, para serem revendidas às principais facções criminosas no Brasil.
Até dezembro, a empresa investigada importou cerca de 43 mil armas para o Paraguai, movimentando em três anos cerca de R$ 1,2 bilhão. Nesse período foram realizadas 67 apreensões que totalizam 659 armas apreendidas no território brasileiro, em dez estados da federação: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Ceará.
Em fevereiro deste ano, três policiais militares e um penal, além de uma quinta pessoa que não é policial, foram presos sob investigação de tráfico de drogas em um grupo de WhatsApp formado por PMs. Os armamentos eram oferecidos pelo valor de R$ 70 mil cada.
O caso levanta a discussão sobre a participação de policiais no aumento do poder bélico das organizações criminosas. Apesar de desconhecer a situação, Sandro Cabral, professor de Estratégia e Gestão Pública do Instituto de Ensino e Pesquisa Insper e professor licenciado da Escola de Administração da Ufba, afirma que não é surpreendente.
“Tem diversos exemplos de maus policiais envolvidos com criminosos, tudo quanto é tipo de contravenção. O grande problema é ter muitas armas em circulação. Quanto mais armas em circulação, maior a chance desse tipo de malfeito acontecer”, avalia.
*Com orientação da subeditora Monique Lôbo - O Correio 24h
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